A Vevé
Uma senhora de minha infância anda se esquecendo das coisas.
Tem se esquecido de andar.
Dos aniversários dos amigos e parentes.
Senhas, endereços e quantias são, agora, inacessíveis.
Às vezes se lembra das pessoas.
De onde fica a padaria.
Mas só do caminho de ida, não o da volta.
Volta e meia se esquece dos malditos e infinitos degraus.
Todos os dias ela sorri, religiosamente.
E conta alegre sobre uma grande habilidade que desenvolveu.
A de esquecer todas as mágoas e arrependimentos.
Toda manhã é um novo mundo...
Há apenas o agora.
Orgulhosa por ter alcançado o conselho de todos os gurus.
Mata de inveja a todos.
E vive apenas o agora...
Disse sobre o poder de não mais inventar desculpas nos esquecimentos.
Já que muitos eram apenas descaso com gente incoveniente e chata.
Todos os dias se apresenta aos conhecidos de ontem.
Meros desconhecidos de amanhã...
Em alguns momentos tudo volta a funcionar.
Banhada de lucidez uma lágrima corre em sua face.
Então ela diz que devo deixar minhas angústias pra lá.
Esquecê-las...
Diz que o ato de esquecer é sempre.
Como o dinheiro, a razão ou o fio dental.
Pois usamos vida inteira, todos os dias, da maneira errada.
Pergunto então sobre como esquecer direito, mas ela não se lembra mais...
Eu me despeço e ela pergunta meu nome e destino.
Elogia o nome, novamente.
Antes de dizer para onde vou.
Ela interrompe:
_ Agora, para onde vai não precisa dizer. O que importa? Apenas não se esqueça de aproveitar o caminho. É só o que nos resta...
JFCNeto
15/05/2020
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